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“A população é muito mal atendida” - entrevista

“A população é muito mal atendida”

O problema na saúde pública do Rio Grande do Norte passa por uma estruturação da unidade básica, rede de atendimento 24 horas e também nos hospitais de alta complexidade. A análise é do presidente da Associação Médica do Rio Grande do Norte, Geraldo Ferreira. Com quatro anos de gestão na entidade, ele hoje é a principal liderança da categoria. Reivindica melhores salários para os médicos, mas também assume que o problema da rede pública de saúde vai muito além. Nesta entrevista à Tribuna do Norte, Geraldo Ferreira admite um problema sério nas unidades de saúde básica: a distorção da carga horária dos médicos. “É aquela coisa, fingem que pagam e eu finjo que acredito”. O presidente da Associação Médica assume que a população é mal atendida e nisso também há uma parcela da contribuição do profissional médico. “O médico também se sujeitou a atender a toque de caixa. Ou seja, ele não dimensionou adequadamente a necessidade das equipes. O médico tem mania, pelo tipo de formação que tem, de puxar toda responsabilidade para seus ombros”, destaca. A entrevista que segue é de um médico com visão macro da saúde pública. De um profissional que, embora presidente de uma entidade, assume as falhas dos seus liderados. Confira. Com toda atuação no movimento médico, qual a visão que o senhor tem hoje da saúde pública do Rio Grande do Norte? A gente precisa colocar isso como a saúde pública do Brasil. Ela tem algo muito claro que é a questão do financiamento. O segundo ponto é o plano estrutural que rege a saúde, que é o Sistema Único de Saúde. Esse sistema tem um planejamento grandioso, assombrosamente grandioso e promete ou faculta ao paciente o acesso universal a praticamente o que a Medicina oferece. Isso tem um custo elevado. A realidade da saúde pública é que tem muita promessa e poucos recursos para cumprir a promessa. O cidadão tem expectativa de atendimento e quando chega no local passa por um tremenda frustração porque ao chegar ao local só encontra os profissionais porque as instalações físicas são precárias, não há um leito ou maca para ser atendida, faltam exames e faltam medicamentos. É uma frustratração do paciente para a realidade que ele encontra no dia-dia. O subfinanciamento o senhor constata também no Rio Grande do Norte? Também porque grande parte do financiamento da saúde é federal. O Governo Federal repassa um quantitativo para o financiamento dessa saúde. Em relação ao Rio Grande do Norte e nós temos conversado sobre isso com o secretário (Adelmaro Cavalcanti) e o pensamento dele nesse aspecto é parecido, diz que qual saúde que queremos dá a população? Se é a saúde de boa qualidade então nós temos que colocar em discussão se os 12% são suficientes. O que a lei diz é que 12% é o mínimo, não significa que é só aquilo. A partir daí você constrói o modelo que você quer dá a população e ao mesmo tempo há um quantitativo de recursos que precisam ser destinados adequadamente. Por que a rede básica não funciona? Por que os postos de saúde não funcionam? Primeiro, profissionais mal remunerados. Isso é grave. O que acontece com o profissional mal remunerado? Ele começa a fazer uma coisa que se chama: se ganho “x” só posso trabalhar “y” por isso. O que acontece é que se algum gestor disser que você terá que cumprir uma carga horária , o profissional abandona o serviço. Há uma certa deturpação do sistema naquela velha moda antiga: finjo que pago e finjo que trabalho. Mas os médicos estão cumprindo a carga horária para qual são pagos? Nos postos de saúde do município há realmente uma distorção no cumprimento da carga horária. Muitas vezes você tem, teoricamente para quatro horas de trabalho devo atender 16 pacientes. A lógica é feita dessa forma. O que acontece é que são distribuídas 16 fichas anteriormente, normalmente os pacientes não receberam os exames que precisariam ser vistos pelos médicos, não têm dinheiro para o transporte, e as fichas que foram distribuídas só chegam 10 pacientes. O médico atende os 10 pacientes e na lógica que o sistema está montado deixou 6 pacientes sem atendimento. Pode ser que ocorra uma subutilização dessas horas (da carga horária do médico). Mas não por culpa exclusiva do profissional. Culpa do sistema que está sendo conduzido de forma errada. Vou lhe dar outro exemplo: essa famosa regulação do SUS. Antigamente o médico tinha flexibilidade para regular o seu trablaho. Se o SUS encaminhava três pacientes para operar na minha clínica. No dia da cirurgia, se o paciente estava doente e não poderia ser operado, eu chamava o segundo paciente e preenchia aquele dia. O que a regulação do SUS fez? Se tem um paciente para operar na quarta-feira, se o paciente não aparecer, o centro cirúrgico, o médico, ninguém vai trabalhar. Está se burocratizando demais o sistema, quando ele (o sistema) na ponta a regulação era feita com mais perfeição. Onde está a problemática maior: nas unidades básicas ou no Hospital Walfredo Gurgel que é para onde tudo demanda? O problema na unidade básica é gritante, mas aparece menos porque são problemas ambulatoriais. Na rede de urgÊncia é mais grave porque o paciente que não foi corrigido na rede ambulatorial chega na urgência. Mas no Hospital Walfredo Gurgel há um dimensionamento que precisa ser aperfeiçoado. A estrutura do HWG foi montada há quase 40 anos. Foi feita uma reforma, mas acrescentou talvez 100 leitos. Qual a solução do Hospital Walfredo Gurgel? Vamos entender o que foi que houve com o modelo do SUS. Com esse modelo, houve uma tentativa de centralizar o atendimento do paciente na rede pública real. Nós tínhamos há 20 ou 30 anos tínhamos uma rede privada complementar que tinha interesse em atender todo tipo de paciente. Isso não acontecia só com a ortopedia, como ocorre hoje. Havia naquela época um pagamento atrativo que fazia com que a rede privada desse suporte a rede pública. Com a implantação do SUS a maioria dos recursos foram drenados para rede pública e se extinguiu praticamente o suporte da rede privada complementar. A rede filantrópica hoje ganha um pouco da oncologia e da cirurgia pediátrica. E basicamente é isso. Centralizou-se tudo na rede pública, mas ela não foi ampliada para atender a demanda. O Hospital Walfredo Gurgel está montado há 40 anos e teve um acréscimo de 100 leitos. Há 40 anos a população de Natal não era de 200 mil habitantes, hoje é 800 mil habitantes. E isso ainda tem um agravante: a saúde como um todo piorou no Estado. As pessoas não acreditam que a saúde piorou, porque a mesma lógica foi implantada no interior do Estado. Ele (o interior) funcionava com entidades filantrópicas. Elas (as entidades) funcionava no sistema de Autorização de Internamento Hospitalar. Com a implantação do SUS essa rede teve um decréscimo tremendo. E vou dá o exemplo da minha cidade Marcelino Vieira. Lá havia uma maternidade, que era filantrópica, onde se fazia cesariana, esterectomia, hérnia. Ocorreu que a redistribuição do SUS eliminou todas as AIHs. Lá não se opera. Os filhos da minha cidade são filhos de Pau dos Ferros ou Alexandria porque a rede privada foi desprezada e a rede pública não foi construída e muito menos ampliada. Todo interior drena para Natal. Mas no caso concreto do Hospital Walfredo Gurgel o que se pode fazer para resolver a questão? Nós temos um diagnóstico que precisa de um hospital de clínica médica em Natal. O Walfredo não tem uma solução em si próprio se não for complementado por outra estrutura. Ele precisa de uma rede de clínica médica. Lá (no HWG) tem 60 ou 70 pacientes de neurologia. Eles têm tratamento de longo prazo e não tem como ocupar leitos de um hospital com estrutura cara porque funciona com equipe 24 horas de todas as especialidades. O leito poderia ser usado com pacientes que estão se acidentando. Essa semana tivemos paciente que morreu numa cadeira. O leito ocorreu com paciente de clínica médica poderia ser usado pelos outros. Sem um hospital de clínica médica não há solução? Me parece que sem isso nós teremos sempre problemas de leito. Primeira coisa é o hospital de clínica médica. A segunda coisa é que para as redes 24 horas para atendimento de média e baixa complexidade tenha urgência e emergência. Não é possível que um paciente com crise de asma vá para o Walfredo Gurgel. Ele tem que ir é para uma rede 24 horas. O município ou o próprio Estado, dependerá de quem vai se encarregar disso, precisa construir em torno de 10 (pegando um ou dois barros), cada bairro ter uma unidade 24 horas. Você pode até consultar o município e dizer que tem, mas não funciona. Deixa só o médico lá e quando ele chega para trabalhar não tem medicação, as vezes não tem sequer água para ele lavar as mãos. É preciso aparelhar adequadamente a rede auxiliar. E a rede ambulatorial também tem que funcionar adequadamente também. As equipes de programa de saúde da família precisam ser completadas. Natal em déficit de equipe de saúde da família. Não funciona porque querem pagar miseravelmente aos profissionais. Seria o caso de descentralizar as ações? Precisa ocorrer uma certa autonomia das unidades. As unidades 24 horas, ambulatorial, de emergÊncia, precisa ter autonomia. Não pode ser tudo centralizado numa burocracia concentrada. Isso prejudica o atendimento do paciente. Antigamente uma paciente chegava na Liga contra o Câncer e era diganosticado um nódulo de mama. Essa paciente era internada, fazia a biópsia e quando detectado que tinha um problema de câncer, o próprio hospital marcava a cirurgia da paciente. Hoje é feito com a biópsia, a paciente volta para Secretaria de Saúde que faz um estudo de quando encaminhará aquele paciente. E lá (na Secretaria de Saúde) é a fria burocracia. Não há o discernimento do paciente mais grave, mais prioritário. A unidade burocrática não tem esse discernimento. Por isso o atendimento está ruim, não está bom. A população está sofrendo muito. Com todo esse cenário que o senhor traçou, é viável mesmo a solução para a saúde potiguar? Perfeitamente viável porque está se fazendo um trabalho de ordenamento equivocado. Passo o exemplo do Santa Catarina. Lá tinha um serviço de ortopedia e foi desmanchado, dá para entender? Não deveria ter um neurocirurgião naquele hospital? Tem que ter. Lá é um hospital de politrauma. Como desafogar o Walfredo Gurgel? Fazendo com que os outros hospitais funcionem. Qual o problema é financeiro? Não é exclusivamente financeiro. É questão de priorizar. Enquanto a população não se revoltar e disser que o nível de atendimento é indigno, o Governo continuará empurrando com a barriga. Enquanto os médicos aceitarem trabalhar nessas condições, enquanto o Ministério Público fizer ação e o juiz não deferir a ação, isso continuará. O senhor está em um movimenot que dá a impessão de ser aumento de saloário. É isso mesmo? Há essa necessidade tão crescente de reajuste do salário do médico? Há necessidade de uma reorganização do salário do médico. O profissional ganha muito mal. Mas o movimento, por sorte nossa e pela compreensão da população, ganhou uma amplitude diferente dos anteriores. Hoje nós estamos brigando em duas frentes: uma para corrigir a remuneração dos médicos. Mas a outra tão importante ou mais importante do que essa é o cuidado com o atendimento a população. Nós chegamos ao diagnóstico de que a população é muito mal atendida. Mas chegamos também a um diagnóstico mais doloroso para a categoria médica: nós (médicos) de alguma forma tínhamos participação nesse mal atendimento, uma certa conivência. A gente passava pelos corredores, apesar daquilo incomodar, achávamos que era tolerável porque o paciente não tinha para onde ir e tinha que ficar lá mesmo. Hoje com esse movimento temos a percepção que precisamos brigar para ter um lugar para aquele paciente. Não basta a gente se acomodar com a idéia de que, como não há outro hospital para mandar, o Walfredo está sendo o grande herói porque recebe doentes que não tem para onde ir. Enquanto comungarmos com esse tipo de pensamento estamos sendo cúmplices dessa situação. Estamos tentando fazer uma parceria com o Ministério Público e a sociedade para nós não aceitarmos mais isso. O senhor disse que a população é mal atendida. Isso é problema de mal atendimento do médico ou da estrutura? Envolve todas as coisas. O médico também se sujeitou a atender a toque de caixa. Ou seja, ele não dimensionou adequadamente a necessidade das equipes. O médico tem mania, pelo tipo de formação que tem, de puxar toda responsabilidade para seus ombros. Por exemplo, não tem leito para o paciente, ele diz que “pelo menos estou olhando para ele na maca”. Isso não é o correto. O médico tem que brigar para ter um leito e outro médico para atender no hospital. O médico se acostumou a ter uma fila com 10 pessoas e entender que ele tem que atender corridamente aquelas 10 pessoas e não deixar esperando. O adequado é ele brigar para ter dois ou três profissionais para dá meia hora ou 40 minutos de consulta a cada paciente. A percepção de que nós pensando em fazer o bem talvez estejamos fazendo o mal, hoje está muito consciente na classe médica. Por exemplo, há um percepção dos médicos de que nós não devemos mais compactuar e nem comungar com isso. Precisamos brigar com muita veeêmencia. Voltando a questão salarial, é mais lucrativo para o médico ser contratado como serviço prestado ou ser funcionário público do Governo? Depende muito da especialidade, do lugar onde trabalha. Mas o que posso dizer é que as entidades médicas defendem que exista um conjunto de funcionário público bem remunerado. Não podemos e hoje o gestor atual sabe disso, a população precisa ter opção. Ter um hospital público, mas que tenha um hospital conveniado atendendo ou pelo SUS ou por outra forma de contrato conveniado pelo Estado. Quando surgirem movimentos de caráter reivindicatório as portas não estarão todas fechadas. Nós tenhamos uma reivindicação na rede pública, mas tenhamos a rede privada. Essa idéia de estatizar a saúde como um todo, pertencente a alguns escalões políticos que hoje tornam o sistema único de saúde um dos únicos bastiões da estatização, tem um sonho de estatização plena. Não enxergo isso com bons olhos. A regra constitucional é a mais adequada. Prioridade para o público, complementada por filantrópico no segundo nível e no terceiro nível pelo sistema privado. O sistema privado as vezes é mais caro, mas as vezes não. Uma máquina de hemodinâmica, que é muito cara, quebra mais fácil passando pelas mãos de 20 pessoas na rede pública. A eficiência desse serviço pode ser comprometida, a rede privada a gente sabe que é mais zelosa. A eficiência da rede privada muitas vezes compensa o preço. É melhor o Governo pagar a rede privada o preço mais caro, mas não terá um investimento de máquina. A parceria público privada na saúde tem que ser real. Ela não pode ser como hoje é tratada dentro da saúde com uma carga de preconceito muito grande. Quem administra melhor a saúde o Município de Natal ou o Governo do Estado? Acho que os dois precisam melhor. Não vou dizer que estão administrando mal porque seria muita pretensão da minha parte. Mas acho que todos dois precisam ouvir mais as entidades de classe. Vejo que a gestão da Estadual está ouvindo muito líderes classistas mais político do que técnico. As gestões precisam ouvir os canais técnicos, as associações, sindicatos. Na verdade os conselhos de saúde hoje têm uma representação teoricamente da população, mas se formos filtrar são lideranças políticas que se coloca nesses conselhos. O nível dos conselhos precisa ser envolvido com canais técnicos. Se ouve pouco os canais técnicos e muito os canais políticos. A saúde é uma questão técnica com nuances políticas. Gostei da declaração do presidente Lula dizendo que o Ministério da Saúde não é para ser instrumento de partido. Ora, mas aqui no Rio Grande do Norte foi e elegido pelo partido de Lula. Está errado. O Governo precisa olhar com cautela. Não estou dizendo que o secretário não está habilitado ou não é competente. Mas foi uma luta do partido para colocar ele ali e de alguma forma usar a Secretaria como instrumento da política partidária. Isso não é bom. O senhor falou de surpresas na saúde. Hoje o senhor é uma surpresa pela liderança que assumiu dentro do movimento médico. O senhor se surpreende com essa liderança que assumiu? Eu não sou condutor de nada. Sou fermento em um momento em que os médicos estão em ebulição, seja no sistema público seja com os planos de saúde. Esse sentimento existe dentro dos médicos e eu trabalho no meio deles. Sou médico que trabalha na rede pública e também na rede privada e sou fermento no meio dos médicos. Não deixo de tentar contribuir para as coisas evoluam. O fermento não seria nada se não houvesse o sentimento dos médicos que as coisas precisam melhorar. Fonte: Tribuna do Norte



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